segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Desvalorização e discriminação do trabalho doméstico

* Subcapítulo de minha Monografia apresentada, em 09 de julho de 2012, como requisito à obtenção do grau de Bacharela em Ciências Sociais.

A primeira legislação acerca do trabalho doméstico data de 30 de julho de 1923, 88 anos se passaram e no congresso nacional ainda tramitam projetos de leis que pretendem estabelecer a igualdade de direitos trabalhistas entre as empregadas domésticas. A discriminação da categoria é histórica, na maior parte dos casos essa é a única alternativa de trabalho para mulheres pobres e semi alfabetizadas. Hoje, o contingente de empregadas domésticas no Brasil representa mais de 7 milhões de trabalhadoras. O que representa 93% de mulheres empregadas no setor doméstico. Dentro deste percentual, 60% são formados por mulheres negras. Portando, a desvalorização e discriminação do trabalho doméstico presente em nossas leis deixam uma dúplice discriminatória que parte da raça superpondo-se a condição feminina.

Cabe destacar a importância das relações de gênero, já que estas comportam uma lógica de associação do trabalho doméstico como trabalho de mulher. É justamente essa definição de lugares entre masculino e feminino – conformada em uma divisão sexual do trabalho – que define quem será o trabalhador doméstico. Ainda com a questão da divisão sexual do trabalho é possível se valer de Heilborn (1999, p. 20) que define gênero “como um sistema simbólico que organiza relações de poder, igualdades e desigualdades no mundo do trabalho”. Esta definição corrobora com o fato de que, no início do século XX as mulheres já eram responsáveis por mais de 80% de todas as ocupações relacionadas ao espaço doméstico. 

Neste contexto histórico e social, de desigualdades é flagrante a ausência de regras legais que conformem e valorizem o trabalho doméstico positivamente. Conforme a cartilha “Trabalho doméstico: direitos e deveres” distribuída pelo Ministério do Trabalho, é considerada empregada doméstica aquela maior de 16 anos que presta serviços de natureza contínua (freqüente, constante) e de finalidade não-lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas. A Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972, regulamentada pelo Decreto nº 71.885, de 9 de março de 1973, dispõe sobre a profissão, conceituando e atribuindo-lhe direitos. Somente na Constituição Federal de 1988, foram atribuídos direitos sociais, como: salário mínimo; irredutibilidade salarial; repouso semanal remunerado; gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, 1/3 a mais do que o salário normal; licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com duração de 120 dias; licença paternidade; aviso prévio; aposentadoria e integração à Previdência Social. Nos anos 2000, a Medida Provisória nº 1.986, acrescenta dispositivos à Lei no 5.859, possibilitando o acesso dos(as) empregados(as) domésticos(as) ao FGTS. Sendo o Seguro-desemprego concedido, exclusivamente, à empregada inscrita no FGTS, por um período mínimo de 15 meses nos últimos 24 meses contados da dispensa sem justa causa. Sendo pago com recursos do FAT, extensão dos benefícios do FGTS as trabalhadoras domésticas. Em 06 de março de 2006 foi editada a medida provisória Nº 284, que altera a legislação do imposto de renda das pessoas físicas e introduz a possibilidade de deduzir a contribuição patronal paga à Previdência Social pelo empregador doméstico incidente sobre o valor da remuneração do empregado. Esta medida provisória teve a intenção de elevar o registro em carteira do trabalhador doméstico, através de concessão de benefício aos empregadores. Ainda no ano de 2006, em 19 de julho, foi editada a Lei n.º 11.324, alterando artigos da Lei n.º 5.859. Nesta edição os trabalhadores domésticos passaram a ter direito a férias de 30 dias, estabilidade para gestantes, direito aos feriados civis e religiosos, além da proibição de descontos de moradia, alimentação e produtos de higiene pessoal utilizados no local de trabalho.

Estes são alguns dos principais direitos e benefícios que amparam a trabalhadora doméstica e que devem ser considerados como verdadeiros avanços no campo jurídico, ainda assim, cabe assinalar os direitos e benefícios que ainda ainda não foram incorporados à categoria: recebimento do abono salarial e rendimentos relativos ao Programa de Integração Social (PIS), em virtude de não ser o(a) empregador(a) contribuinte desse programa; salário-família; benefícios por acidente de trabalho (ocorrendo acidente e necessitando de afastamento, o benefício será auxílio-doença); adicional de periculosidade e insalubridade; horas extras; jornada de trabalho fixada em lei e adicional noturno. 

A questão dos direitos trabalhistas acerca do trabalho doméstico está muito em voga no momento, inclusive, é possível se estabelecer uma relação com a questão dos direitos humanos. Exemplo disto são os debates acerca do tema em nível internacional – como exemplo cito as Conferências Internacionais do Trabalho (CIT) de 2010 e 2011, organizada pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) – que poderá resultar na adoção de um instrumento internacional que regule o trabalho doméstico remunerado. O Programa Regional de Gênero e Trabalho Decente da OIT desenvolveu uma série de oito Notas Técnicas sob o título “O Trabalho Doméstico na América Latina e Caribe” com a intenção de promover o trabalho decente para as trabalhadoras do setor doméstico,além de abordar a questão dos salários dignos para estas trabalhadoras, a erradicação do trabalho infantil doméstico, ampliação da proteção para as trabalhadoras domésticas e o direito de organização das mesmas. Basta uma leitura rápida por alguma destas notas para se perceber o contexto de desigualdades e precariedade em que se encontra o trabalho doméstico na atualidade: 

"Considerando que o trabalho doméstico continua sendo subvalorizado e invisível e é executado principalmente por mulheres e meninas, muitas das quais são migrantes ou membros de comunidades desfavorecidas e, portanto, particularmente vulneráveis à discriminação em relação às condições de emprego e trabalho, bem como outros abusos de direitos humanos. (…) Regulamentar e registrar com exatidão as horas de trabalho realizadas, inclusive as horas extras, definir e informar sobre a taxa de remuneração ou forma de compensação das horas extras e das horas de disponibilidade de trabalho imediata, com fácil acesso dos trabalhadores e trabalhadoras domésticas a esta informação". (OIT, 2011, p. 08). 

Valendo-se de Lynn Hunt que afirma: “os direitos do homem apenas serviram para instituir uma nova, e mais insidiosa, forma de disciplina” (HUNT, 2005, p. 278). É possível inferir que as recomendações feitas pela OIT, isto é, uma regulamentação efetiva da categoria de trabalhadores domésticos, corrobora com a ideia de controle por parte do Estado e por parte do patrão. Em um primeiro momento tendemos a encarar essas mudanças como benéficas para a classe trabalhadora do setor doméstico, porém creio ser necessário olhar o outro lado da moeda questionando se as propostas de mudança e as mudanças ocorridas no âmbito da legislação do trabalho doméstico seriam mudanças que beneficiariam apenas a classe trabalhadora ou, também, a classe que se vale deste serviço. Neste ponto, coloca-se em xeque a dimensão das "táticas" e "estratégias" exercidas pelas trabalhadoras do setor doméstico que se expressa no trabalho como diarista e que permite a estas trabalhadoras um maior controle sobre o seu tempo e sua força de trabalho, algo que provavelmente se perderia, ou se restringiria, na regulamentação plena do trabalho doméstico em que o controle do tempo e da força de trabalho ficariam a cargo do Estado e do patrão.


REFERÊNCIAS

HEILBORN, Maria Luiza e SORJ, Bila. Estudos de gênero no Brasil. In: MICELI, Sérgio (org.) O que ler na ciência social brasileira (1970-1995), ANPOCS/CAPES. São Paulo: Editora Sumaré, 1999. 
HUNT, Lynn. O romance e as origens dos Direitos Humanos: interseções entre história, psicologia e literatura. In: Varia hist., Jul, 2005. 
OIT. Passos para a ratificação da convenção nº 189 sobre as trabalhadoras e os trabalhadores domésticos. (Nota informativa nº 8). Organização Internacional do Trabalho, Escritório no Brasil. Brasília: ILO, 2011

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