Alain
Badiou, a partir de Gilles Deleuze, define síntese disjuntiva como
“uma relação que não é uma relação, uma relação paradoxal,
uma ruptura” (BADIOU, 2004, p. 28). Mas como essa síntese
disjuntiva se manifesta no filme “Dez” de Abbas Kiarostami?
O
filme traz dez seqüências que se passam em dias diferentes, mas
sempre no carro de uma jovem mulher divorciada e mãe. Ela enfrenta a
rejeição do filho por não agir dentro código moral iraniano.
Destas dez seqüências, seis abordam a vida de cinco diferentes
mulheres que pegam carona com a jovem divorciada: sua irmã, uma
senhora religiosa, uma prostituta, uma jovem apaixonada e uma amiga.
Podemos
inferir que a síntese disjuntiva em “Dez” se manifesta segundo
os termos carro
e palavra.
Por exemplo, que termo se relaciona diretamente com o termo carro?
Uma resposta previsível seria o termo corrida,
não
o termo palavra.
Já com o termo palavra,
seria possível estabelecer uma relação com os termos tribunal,
escola,
teatro...
Enfim, espaços de enunciação da palavra. Claro está, entre os
termos carro
e palavra,
não existe uma relação previsível. Desta forma, “Dez” se
constrói sob a base da diferença. O filme de Abbas Kiarostami, é a
síntese criada no lugar em que se estabeleceu uma ruptura entre os
termos carro
e palavra.
Na perspectiva do cinema como experimentação filosófica de Alain
Badiou:
“(...)
la filosofía es el pensamiento de las rupturas o el pensamiento de
las relaciones que no son relaciones. Es posible decirlo de outra
manera: la filosofía fabrica uma síntesis, inventa uma síntesis
cuando la síntesis no esta dada, o bien, si lo prefieren, la
filosofía crea uma nueva síntesis em el lugar donde hay uma
ruptura” (BADIOU, 2004, p. 35)
A
ruptura e os paradoxos dilatam-se ao longo do filme. Mena
Akabari, a mulher divorciada, desabafa: “As leis apodrecidas dessa
nossa sociedade não dão direitos às mulheres!”. Ela diz isso do
seu carro, enquanto circula pela cidade de Teerã. Espaço público,
historicamente destinado aos homens. A frase é proferida pela mãe,
que conduz o carro, mas quem está no enquadramento é seu filho,
Amin. Tensão entre imagem e palavra.
Ruptura que enseja a criação. Mas o que é criado? Ficção
ou Documentário?
Os atores não são profissionais, interpretam versões de si mesmos.
Os diálogos, foram concebidos após longas conversas entre os
“atores” e o diretor. Kiarostami, novamente, vale-se da ruptura
para a criação. Ficção
e documentário,
termos paradoxais que em sua relação sem relação, transformam-se
em uma nova ideia do que seja documentário
ou ficção.
Este
relato, poderia ter sido proferido por mim ou por qualquer outra
mulher ocidental. Nós, mulheres ocidentais, livres de um código
moral que nos impõe o uso de um véu. Livres, mas aprisionadas pelo
julgamento de um homem sobre os nossos corpos. Mulheres iranianas,
aprisionadas à códigos morais que não partilhamos, ao mesmo tempo,
aos padrões de beleza que conhecemos bem. Cinema, fabricação da
realidade com a qual nos identificamos. Oriente
e Ocidente,
imagens carregadas de valores que são postos à discussão. E, na
síntese da ideia corrente de uma dessemelhança entre Oriente
e Ocidente,
Kiarostami produz “Dez” como síntese da situação da mulher no
Irã. Salvo as peculiaridades culturais, os dramas das mulheres
iranianas descortinados no filme não diferem de nossos dramas
enquanto mulheres ocidentais: problemas na relação amorosa, filhos
indisciplinados, crise espiritual, etc.
“Dez”
de Abbas Abbas Kiarostami, indica uma síntese
disjuntiva justamente
por sua alteridade. Abertura de mundos, construção e desconstrução
do olhar sobre o outro e sobre nós mesmas. “Dez” é a imagem que
produz imagens. Provoca e evoca relações e outros modos de pensar.
Kiarostami, toma de assalto o código moral iraniano e com ele cria
uma síntese da mulher contemporânea.
Bibliografia
BADIOU,
Alain. El cine como experimentación filosófica. In: YOEL, Gerardo
(Comp..). Pensar
el cine I.
Imagen, ética y filosofia. Buenos Aires: Manantial, 2004.
Nenhum comentário:
Postar um comentário